terça-feira, 29 de junho de 2010

A respeito do silêncio e solitude como prática espiritual, vale considerar:

I

Em um primeiro momento,

O silêncio é para privação,

Carência, vazio enfadonho,

Um desapegar-se das pessoas,

Das coisas e das atividades atraentes.

O silêncio é percebido

Como inútil, aborrecido,

Perda de tempo.

II

Cheio de eco, confuso, desconexo,

Ansioso das coisas deixadas para trás,

Preocupado com o que vem pela frente,

Carente de companhia e ocupação,

Exigente de distrações.

Porém, quando se ultrapassa este momento,

O silêncio se faz palavra.

Os fantasmas escondidos

Começam a sair à luz

E a gritar todas as suas exigências.

Antes trabalhavam na clandestinidade,

Mascarados e escondidos no ativismo,

Projetos e relacionamentos,

E passavam quase despercebidos.

No entanto, também a vida encorajada

Começa a brotar mais firme e sólida,

E nos surpreende a profundidade ignorada

Que surge em nós mesmos,

A partir de nossa abertura

Para o infinito Deus.

III

O silêncio, então, se transforma em luta,

Corpo a corpo com os vícios da alma,

E com os fantasmas e seus exércitos de medos,

E as novas exigências

De uma autonomia inesgotável.

O silencio é tenso,

Implacável e decisivo.

Na luta, algo em mim morre,

Algo volta a ser clandestino,

Mas também algo novo se firma.

Saio, no entanto, marcado

Pela agonia do arrependimento,

E transformado pelo Espírito.

IV

O silencio se cristaliza

Diante desta acolhedora e santa presença.

Passa-se da loucura do “cronos”

Para o descanso do “sabat”

E para a plenitude de um “kairós”

Fértil de convicções infinitas

E de vida recém-nascida.

Sereno estar em companhia

De quem me abre o espaço

De seu amor discreto e silencioso,

Onde se faz consistente minha harmonia

E minha paz da alma.

O silencio se faz pleno,

Confiante, alegre, repousante, inovador.

O silencio é palavra encarnada

É oração sem palavras.

Poema de autor desconhecido,, traduzido por Osmar Ludovico da Silva. Extraído do Livro Caminhos do coração de Ricardo Barbosa.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Por uma espiritualidade integral

Recentemente estive em uma reunião de pequeno grupo, e a discussão era acerca da parábola do semeador (Mc. 4:1-20). Para alguns, o que mais chamava atenção era o fato de os solos poderem ser comparados aos estágios de nossa caminhada cristã; a outros, o que mais chamava atenção era a aplicação de que o bom solo, é em nós cultivado por uma autodisciplina na meditação das escrituras; e ainda tinham aqueles que tinham um novo conceito, a partir de uma descoberta hermenêutica, em compreender que o texto era para pessoas convertidas, também. E foi quando algo me chamou a atenção de maneira diferente. Meu amigo, pastor Fabiano, comentava dizendo, que muitas vezes não conseguimos mais passar pelas etapas naturais da vida cristã e que era necessário para aquela semente, nascer, crescer para cima e para baixo. Foi ai que eu tive um insight e, essa frase me desligou de todo o resto.

No verso 20, Jesus diz que “ aqueles que foram semeados em boa terra são os que ouvem a palavra e a recebem, frutificando a trinta, sessenta e a cem por um”, e comecei a pensar nesta semente nascendo numa boa terra, a pensar que esta terra é o nosso coração. A semente lançada em terra boa cresce para cima e para baixo. Pense comigo: geralmente nós acreditamos que sermos espirituais significa vivermos trancafiados, isolados do “mundo”, de forma separatista, fazendo uma dicotomia entre o profano e o sagrado, nos vestirmos de uma maneira particular, falarmos de um jeito nosso, e termos os nossos rituais de culto, na expectativa de estarmos desenvolvendo uma “certa espiritualidade”. O texto destaca a terra, quero dar ênfase, partindo do pressuposto da boa semente que já encontrou a boa terra (coração). Tomando isso como ponto de partida, quero refletir sobre essa percepção, e entender que a semente precisa germinar, brotar (crescer para cima) e que precisar aprofundar suas raízes (crescer para baixo e para os lados) para só depois disto desenvolver-se realmente e amadurecendo, frutificar.

A primeira etapa, de germinação, pode representar o novo nascimento. A segunda etapa, é quando a semente brota, crescendo sobre a superfície da terra. Entendo que aqui, nós começamos a nutrir um relacionamento pessoal com a Trindade. Nesta etapa, é quando nós descobrimos o prazer em meditar nas escrituras, na oração e no jejum (auto-discplina). Passamos a desenvolver aqui, o que alguns chamam de espiritualidade vertical. É um relacionamento entre o homem e Deus. A terceira etapa é o enraizamento desta nova plantinha. Quando ela começa a fincar suas raízes, expandido seu contato com a terra, com os sais, com a água. É aqui que caiu a ficha. Após termos descoberto o relacionamento com Deus, nós só podemos nos aprofundar em direção a Ele ( crescer p/ cima), se nós aprendermos a desenvolver uma espiritualidade horizontal; ou seja, o crescimento para cima, inevitavelmente nos faz crescer para baixo. Quanto mais próximos de Deus estamos, mais nos voltamos para o próximo ( crescer para baixo). Por isso, no desenvolvimento de uma espiritualidade integral, nós precisamos crescer para cima e para baixo, pois crescer para baixo, em relação ao próximo, é o que me dá condição de crescer, amadurecer e frutificar. Concluo com isso dizendo que, amar a Deus, produz em nós um amor pelo outro. Aquele que desenvolver uma espiritualidade apenas vertical, torna-se apenas religioso; aquele que desenvolve uma espiritualidade apenas horizontal, torna-se assistencialista. Nosso grande desafio é, redescobrirmos em Deus, nossa espiritualidade, para que ela seja integral, e com isso meu amor a Deus amadureça em amor ao próximo me fazendo assim, a cada dia, mais parecido com Ele. Como diria o Apóstolo João “aquele que diz que ama a Deus e não ama seu irmão, faz-se mentiroso”. Que o Senhor desperte em nós o olhar para o outro.

Luiz Eduardo Caraline