terça-feira, 9 de novembro de 2010

Logos x logoi


Recentemente, estou meditando em um livro do Peterson, que fala sobre a teologia espiritual, e, um texto no capitulo que ele trata sobre a questão dos seminários me chamou muito a atenção. ¹ É engraçado (pra não dizer deplorável), pois Eugene Peterson está, em praticamente todo o tempo, analisando a espiritualidade da sociedade americana, e, tenho ficado com a impressão de que estamos caminhando, na nossa tentativa desesperada de imitarmos os EUA e seus padrões de “vida”, para a mesma subversão.

No capitulo 1, verso 1 do Evangelho de João, diz : “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.” Neste texto encontro uma referência a divindade de Jesus, o Verbo que se fez carne, a Palavra explicita em carne e ossos, humana e divina, a Imagem visível do Deus invisível. Este texto aponta para um tipo de espiritualidade de Cristo, a encarnação do divino no humano, a postura de um Ser Humano de verdade.

Penso que há em nossos dias, uma grande confusão na espiritualidade da igreja, e que, muitas vezes, ocorrem por uma espécie de desleixo exegético, outras por um hedonismo evangélico e outras por ingênua ignorância. Quero com isso por algumas inquietações na mesa da reflexão.

No versículo de João a palavra verbo é Logos. Esse Logos, é palavra de Deus, ou seja, o que nutri essa igreja é Logos, que é o Próprio Senhor. Para que a igreja tenha a revelação de Logos, normalmente é instruída por homens e mulheres, que são pecadores supostamente remidos em Cristo, e que, utilizam-se de logoi sobre Logos para cumprir suas tarefas, como pastores deste rebanho, que é de Deus. Enquanto que Logos é a Palavra de Deus, logoi são as muitas palavras humanas sobre Deus. Alguns pastores evitam por isso os seminários teológicos, na tentativa de manterem suas igrejas “espirituais”. Outros desprezam o jejum, a oração, como práticas inferiores ao exercício das faculdades intelectuais, o que não nos auxilia em nada então, em nossa espiritualidade. Segundo Evágrio, o Solitáio², “ o conhecimento de Deus que não conduz à oração a Deus ou não se torna uma oração à Deus é demoníaco.

Estamos diante de um grande desafio: resgatar a revelação do Logos para o centro de nossas vidas e comunidades, excluindo cada vez mais o que Evágrio chamou de logismos, que é quando ofuscamos ou entorpecemos a Palavra de Deus com as nossas palavras. Paremos então de lidar com as pessoas como queremos, e rendamo-nos ao Senhor da Igreja, para fazer como Ele quer, oremos para que o Senhor transforme nossos pastores, líderes, professores, para que nossos logismos não ofusquem nossa sociedade. Chega de fingirmos que nossas logoi é Logos.

Quero encerrar citando Eugene H. Peterson³: “os franceses tem uma expressão maravilhosa, déformation professionale, usada em referencia aos males aos quais somos especialmente vulneráveis, enquanto nos empenhamos em nosso ramo de atividade. Os médicos correm riscos constante de se tornarem invisíveis ao sofrimento; os advogados, o de descrerem da justiça; e os que pensamos, conversamos, lemos e escrevemos sobre Deus, o de que as próprias palavras que usamos acerca de Deus nos separem de Deus, a mais maldita de todas as deformações.”

Que o Senhor, Logos, encarne em nós através do Espírito Santo, e faça de nossas palavras, palco para a sua Palavra, “ Assim será a minha palavra, que sair da minha boca; ela não voltará vazia...” Is. 55:11.

¹ Peterson, Eugene H. – Espiritualidade Subversiva – Organizado por Jim Lyster, john Sharon, Peter Santucci; traduzido por Fabiani Medeiros - São Paulo: Mundo Cristão, 2009;

² idem;

³ idem.

terça-feira, 29 de junho de 2010

A respeito do silêncio e solitude como prática espiritual, vale considerar:

I

Em um primeiro momento,

O silêncio é para privação,

Carência, vazio enfadonho,

Um desapegar-se das pessoas,

Das coisas e das atividades atraentes.

O silêncio é percebido

Como inútil, aborrecido,

Perda de tempo.

II

Cheio de eco, confuso, desconexo,

Ansioso das coisas deixadas para trás,

Preocupado com o que vem pela frente,

Carente de companhia e ocupação,

Exigente de distrações.

Porém, quando se ultrapassa este momento,

O silêncio se faz palavra.

Os fantasmas escondidos

Começam a sair à luz

E a gritar todas as suas exigências.

Antes trabalhavam na clandestinidade,

Mascarados e escondidos no ativismo,

Projetos e relacionamentos,

E passavam quase despercebidos.

No entanto, também a vida encorajada

Começa a brotar mais firme e sólida,

E nos surpreende a profundidade ignorada

Que surge em nós mesmos,

A partir de nossa abertura

Para o infinito Deus.

III

O silêncio, então, se transforma em luta,

Corpo a corpo com os vícios da alma,

E com os fantasmas e seus exércitos de medos,

E as novas exigências

De uma autonomia inesgotável.

O silencio é tenso,

Implacável e decisivo.

Na luta, algo em mim morre,

Algo volta a ser clandestino,

Mas também algo novo se firma.

Saio, no entanto, marcado

Pela agonia do arrependimento,

E transformado pelo Espírito.

IV

O silencio se cristaliza

Diante desta acolhedora e santa presença.

Passa-se da loucura do “cronos”

Para o descanso do “sabat”

E para a plenitude de um “kairós”

Fértil de convicções infinitas

E de vida recém-nascida.

Sereno estar em companhia

De quem me abre o espaço

De seu amor discreto e silencioso,

Onde se faz consistente minha harmonia

E minha paz da alma.

O silencio se faz pleno,

Confiante, alegre, repousante, inovador.

O silencio é palavra encarnada

É oração sem palavras.

Poema de autor desconhecido,, traduzido por Osmar Ludovico da Silva. Extraído do Livro Caminhos do coração de Ricardo Barbosa.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Por uma espiritualidade integral

Recentemente estive em uma reunião de pequeno grupo, e a discussão era acerca da parábola do semeador (Mc. 4:1-20). Para alguns, o que mais chamava atenção era o fato de os solos poderem ser comparados aos estágios de nossa caminhada cristã; a outros, o que mais chamava atenção era a aplicação de que o bom solo, é em nós cultivado por uma autodisciplina na meditação das escrituras; e ainda tinham aqueles que tinham um novo conceito, a partir de uma descoberta hermenêutica, em compreender que o texto era para pessoas convertidas, também. E foi quando algo me chamou a atenção de maneira diferente. Meu amigo, pastor Fabiano, comentava dizendo, que muitas vezes não conseguimos mais passar pelas etapas naturais da vida cristã e que era necessário para aquela semente, nascer, crescer para cima e para baixo. Foi ai que eu tive um insight e, essa frase me desligou de todo o resto.

No verso 20, Jesus diz que “ aqueles que foram semeados em boa terra são os que ouvem a palavra e a recebem, frutificando a trinta, sessenta e a cem por um”, e comecei a pensar nesta semente nascendo numa boa terra, a pensar que esta terra é o nosso coração. A semente lançada em terra boa cresce para cima e para baixo. Pense comigo: geralmente nós acreditamos que sermos espirituais significa vivermos trancafiados, isolados do “mundo”, de forma separatista, fazendo uma dicotomia entre o profano e o sagrado, nos vestirmos de uma maneira particular, falarmos de um jeito nosso, e termos os nossos rituais de culto, na expectativa de estarmos desenvolvendo uma “certa espiritualidade”. O texto destaca a terra, quero dar ênfase, partindo do pressuposto da boa semente que já encontrou a boa terra (coração). Tomando isso como ponto de partida, quero refletir sobre essa percepção, e entender que a semente precisa germinar, brotar (crescer para cima) e que precisar aprofundar suas raízes (crescer para baixo e para os lados) para só depois disto desenvolver-se realmente e amadurecendo, frutificar.

A primeira etapa, de germinação, pode representar o novo nascimento. A segunda etapa, é quando a semente brota, crescendo sobre a superfície da terra. Entendo que aqui, nós começamos a nutrir um relacionamento pessoal com a Trindade. Nesta etapa, é quando nós descobrimos o prazer em meditar nas escrituras, na oração e no jejum (auto-discplina). Passamos a desenvolver aqui, o que alguns chamam de espiritualidade vertical. É um relacionamento entre o homem e Deus. A terceira etapa é o enraizamento desta nova plantinha. Quando ela começa a fincar suas raízes, expandido seu contato com a terra, com os sais, com a água. É aqui que caiu a ficha. Após termos descoberto o relacionamento com Deus, nós só podemos nos aprofundar em direção a Ele ( crescer p/ cima), se nós aprendermos a desenvolver uma espiritualidade horizontal; ou seja, o crescimento para cima, inevitavelmente nos faz crescer para baixo. Quanto mais próximos de Deus estamos, mais nos voltamos para o próximo ( crescer para baixo). Por isso, no desenvolvimento de uma espiritualidade integral, nós precisamos crescer para cima e para baixo, pois crescer para baixo, em relação ao próximo, é o que me dá condição de crescer, amadurecer e frutificar. Concluo com isso dizendo que, amar a Deus, produz em nós um amor pelo outro. Aquele que desenvolver uma espiritualidade apenas vertical, torna-se apenas religioso; aquele que desenvolve uma espiritualidade apenas horizontal, torna-se assistencialista. Nosso grande desafio é, redescobrirmos em Deus, nossa espiritualidade, para que ela seja integral, e com isso meu amor a Deus amadureça em amor ao próximo me fazendo assim, a cada dia, mais parecido com Ele. Como diria o Apóstolo João “aquele que diz que ama a Deus e não ama seu irmão, faz-se mentiroso”. Que o Senhor desperte em nós o olhar para o outro.

Luiz Eduardo Caraline

terça-feira, 18 de maio de 2010

A fraqueza do Todo-poderoso

Talvez, soe estranho o título desta reflexão, mas algo tem inquietado meu coração há uns 3 anos, por isso resolvi dar uma pitada dessa indagação aqui.

Desde criança tenho aprendido que Deus (com raras exceções), é uma espécie de super-herói, que todas as vezes que eu “preciso” dos seus super-poderes ele esta a minha disposição para fazer certos “milagres que necessito”. Bom, não quero entrar muito nestes detalhes (veja meu artigo, “o deus da prateleira”), mas com isso a imagem que dele fui criando, aos poucos, era de um Mágico Super-Poderoso. Pensava: - se for fiel a Deus, quando eu precisar, ele estará pronto a me ouvir. O curioso desta história é que um tempo ainda depois de convertido, continuava a pensar assim, neste deus desumanizado. Ai começaram algumas perguntas dentro de mim: E Jesus de Nazaré? No seminário ouvi dizer que ele é totalmente Deus e totalmente homem? Que ele humilhou-se para encarnar? Que abriu mão de sua glória? Que Deus é este sem glória? E se não basta-se, fez-se maldição na cruz do Calvário? Onde estava seu poder nesta hora?

Meditando nas palavras do Evangelho de Mateus 27:40-44 alguns dias atrás, ouvi Deus falar comigo. Nesse texto de Mateus, ele fala sobre a crucificação de Jesus. Jesus foi açoitado, cuspido, humilhado, os soldados lhe dão de beber vinho com fel, e o crucificam no madeiro. Os que iam passando zombam D´ele dizendo: “Não é você que destrói o santuário e o reedificas em três dias? Salva-te a ti mesmo, se és o filho de Deus, e desce da cruz! Os principais sacerdotes, com os escribas e anciãos, escarnecendo, diziam: Salvou os outros, a si mesmo não se pode salvar. É Rei de Israel! Desça da cruz, e creremos nele (vs 40-42). O que me parece estar em ênfase no texto, é a atitude das pessoas em relação a Jesus, e não a ausência de reação do Crucificado. O que quero dizer com isso? As vezes é impossível reconhecer Deus na cruz! Nosso cristianismo, não nos permite na maioria das vezes vê-lo pendurado. Talvez a igreja hoje continue dizendo para Cristo: desce daí e creremos em Ti; Se você me tirar desta é porque é Deus; Se acontecer isto ai crerei em Ti; se você se mostrar mais forte, confiarei em você; se você é Deus, explode este sofrimento, esta dor, esta angustia e ai sim creremos em Ti, pois Deus que é Deus não permite-nos sofrer, quem diria a si mesmo. Pense comigo. Será que você tem pedido pra que Jesus desça da cruz?

A cruz de Cristo representa para nós a oportunidade de sermos reconciliados com Deus, pelo seu imensurável amor. É na ignomínia desta cruz, nesta fraqueza de Deus, que nós somos poupados de receber sua ira. Neste ato humilhante de Cristo pendurado que encontramos N´ele a face do Pai. Jesus na Cruz do calvário muda a lógica da humanidade, ele ensina a não vivemos pela lógica do poder, pelo contrário, a boa noticia do evangelho é a lógica da fraqueza. Ele esvaziou-se por nós. E a lógica continua para os doentes, pecadores, para os pobres. Deus em Cristo Jesus, através da cruz do calvário, estava salvando o mundo, pela lógica da fraqueza, limitando-se a condição de humano, mas divino.

Que esta cruz volte a fazer sentido para nós Senhor. E que a Tua noiva creia neste Deus que se faz fraco para se aproximar de nós. Como disse Rubem Alves: “Um Deus fraco pode chorar comigo... e por isso nos amamos...”. Só mais um detalhe. Se isto não bastasse, ao terceiro dia, ele ressuscitou. Se crermos Nele, assim, simples e sinceramente, ressuscitaremos com Ele.

Luiz Eduardo Caraline

quarta-feira, 12 de maio de 2010

O deus da prateleira

Conversando com alguns irmãos em Cristo, tenho percebido como nós, Igreja, temos nos afastado da graça de Deus e do seu verdadeiro amor, para nos aproximarmos da lógica capitalista e, do mercado, fazendo disso, a nossa teologia.

Quero te dar uma noticia má e uma boa. No salmo 115, o salmista fala a respeito de uma adoração a ídolos feitos pelos próprios homens,e diz que aqueles que confiam (adoram) neles (v. 4-8), tornam-se parecidos com eles. Mas o que isso tem haver com os nossos dias? Me parece que o salmista estava vivendo no meio da igreja evangélica hoje. Como disse pastor Ricardo Barbosa, “estamos vivendo o momento em que Deus fala em resposta a nossa oração ao invés de nós orarmos em resposta a fala de Deus”. Nós perdemos, na caminhada evangélica, a noção de que a iniciativa, sempre é de Deus (Mt. 19:25-26). Com isso, ao passar dos anos, e com uma forte influencia norte-americana em nossa teologia, nós fomos deixando de lado a teologia da graça, e criamos a teologia do mérito (prosperidade), e “deus” passou então a estar sujeito as nossas “orações”: eu determino isso, eu quero aquilo, faz assim agora, nós exigimos os nossos direitos, etc. Parece até que estamos entrando num supermercado e podemos pegar aquilo que nos convêm: - Bom, vou pegar este carro aqui; opa, vou pegar este milagre ali; beleza, essa benção aqui. Assim acabamos por fazer deste “deus de prateleira” o nosso deus. Esse deus satisfaz nosso ego, por isso, criamos um deus que apenas supre nossas necessidades, e o resto é conosco mesmo, a gente mesmo resolve, e é bom se relacionar com este deus, a gente faz qualquer coisa pra ele e ta tudo certo. Só que com o passar dos dias, lido com pessoas frustradas, feridas, com um buraco na alma, vazias, porque, no final, elas também estão virando produtos de prateleiras, porque estão tornando-se semelhantes a esse deus. Esse deus criado por nós, só poderia ser algo parecido conosco. A má noticia que quero te dar, é que, nós não suportaríamos viver conosco mesmo ( longe da graça).

Apesar disso, ainda existe outra saída. No verso 1, o salmista começa dizendo, “não a nós Senhor, mas ao teu nome dá glória, por amor da tua misericórdia e da tua fidelidade” A boa noticia que eu quero te dar, é que, o Deus vivo e verdadeiro, é Deus que age primeiro, é Deus que nos amou antes mesmo de nós sabermos o que é amor, é Deus que morreu por nós, é Deus que nos salvou de graça, e que não espera nada de nós para nos alcançar, simplesmente precisamos reconhecer: - eu não consigo Senhor, mas você pode. A teologia da graça nos dá esperança. Nela o pecador é perdoado, arrepende-se, e vive uma vida de santificação, para a glória de Deus como forma de gratidão a Deus pelo que Ele fez e, se ele pecar, tem um Advogado Justo diante do Pai. Adorar a Deus é então para nós viver com Ele e ser perdoado por Ele. Sem merecimento, mas também sem culpa.

Alguém disse: Antes que Deus dissesse: haja luz, ele disse haja cruz! Deus não está em nossas prateleiras, ele diz e nós o obedecemos. Não merecemos nada, é graça de Deus, em Cristo Jesus, que nós dá a oportunidade de dizermos, não a nós Senhor, mas a Tua vontade.


Luiz Eduardo Caraline

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Escondendo-me N'ele

Bom, na vida, a cada dia que vivo (ou morro, não sei bem certo)tenho uma leve impressão que as dúvidas, incertezas, dificuldades, são os instrumentos mais importantes para nossa auto-descoberta e amadurecimento em relação a nossa identidade. Com base nisso, tenho feito algumas perguntas que, ora encontro respostas, ora encontro perguntas, ora não encontro nada e continuo pensando.
Um tempo atrás estava lendo e me deparei com um texto que o apóstolo Paulo escreveu a uma igreja, que me fez pensar: “Vocês foram ressuscitados com Cristo. Portanto, ponham o seu interesse nas coisas que são do céu, onde Cristo está sentado ao lado direito de Deus. Pensem nas coisas lá do alto e não nas que são aqui da terra. Porque vocês já morreram, e a vida de vocês está escondida com Cristo, que está unido com Deus. Cristo é a verdadeira vida de vocês, e, quando ele aparecer, vocês aparecerão com ele e tomarão parte na sua glória.”( Cl. 3:1-4). - Nossa que esquisito, isso me parece tão diferente do que tenho escutado e lido por ai ( pensei). Que negócio é este de por o meu interesse nas coisas do céu, pensar nas coisas do alto e não mais nas daqui, e esse negócio de que morremos com ele e nossa vida está escondida com Cristo, até que a parte da glória é bem atrativa (continuo pensando).
Começo perceber ao ler este texto, que algumas coisas em nossa igrejas caminharam pra bem distante disso. Começamos pela parte na glória D’ele e esquecemos de responder a pergunta: como escondemos nossa vida N’ele?
E isso me faz lembrar do Evangelho do Jesus de Nazaré. Um proposta de vida que troca o exterior pelo interior, a religiosidade pela espiritualidade, as necessidades pela Presença, as águas pela Fonte, o cheio pelo transbordar, a comida e a bebida pela partilha, a “terra” pelo “céu”, egoísmo por altruísmo, a força e o poder pela fraqueza da dependência do amor. Hoje não quero falar dos outros, quero falar de mim. E ai vem o Jesus me dizendo: “E, quando orardes, não sereis como os hipócritas; porque gostam de orar em pé nas sinagogas e nos cantos das praças, para serem vistos dos homens. Em verdade vos digo que eles já receberam a recompensa. Tu, porém, quando orares, entra no teu quarto e, fechada a porta, orarás a teu Pai, que está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará.(Mt. 6:4-5). Minhas convicções começaram a amadurecer, quando descobri que o que Jesus queria me dizer que existe um “quarto secreto” que é “lugar” onde eu escondo minha vida N’ele, através de uma vida de intima solitude e contemplação D’ele, oferendo meu coração quebrantado e recebendo o coração quebrantado do Abba, que começo a esconder-me para que ele se manifeste em mim. Existe alguma recompensa maior que está? “Deus em nós a esperança da Glória”


Luiz Eduardo Caraline

quinta-feira, 15 de abril de 2010

A endo-mística do Reino de Deus

“Deus me é mais íntimo que meu íntimo, mais íntimo que eu a mim mesmo.”
[Santo Agostinho, Confissões III, 6, 11]

A noção de que Deus e o seu amor se fazem presentes no meio de nós na medida em que amamos e servimos aos pobres e excluídos (cf 1Jo 4,12) é [...] o que Hugo Assmann chamou de “endo-mística”: “Deus em nós”.

A presença do Amor de Deus em nós acontece no amor solidário ao próximo. Não há uma relação de causalidade entre o que vem primeiro e o que vem depois. Nas palavras de Assmann, “Deus solidário é o Deus em todos e de todos”. A presença de Deus se faz presente em nós quando nós nos abrimos ao próximo no amor solidário, e nós somos capazes disso porque o amor de Deus opera em nós. É um “acontecimento” onde os “dois amores” ocorrem simultaneamente, que só acontece na medida em que o amor solidário pelo próximo e o amor de Deus se fazem presentes ao mesmo tempo.

Antes do amor solidário, Deus em nós está presente em nós como ausência. Para ter uma ideia do que seja a presença na forma de ausência, podemos tomar como exemplo a saudade. Nós não sentimos saudade de uma pessoa que está presente, e nem de uma pessoa de quem não sentimos a falta. Saudade nos mostra que sentimos a falta, a ausência da pessoa querida. A ausência dela está presente em nós, ou ela está presente conosco como ausência. De modo análogo, Deus está lá, mas como ausente, porque o seu amor em nós não é realizado. Como diz a primeira carta de João, “se nos amamos uns aos outros, Deus permanece em nós e o seu Amor em nós é realizado” (1João 4,12). Assim como pessoas que estão fisicamente próximas de nós só entram nas nossas vidas na medida em que nos abrimos a elas, podemos fazer analogia e dizer que Deus está no mais íntimo do nosso ser, mas se torna “Deus em nós” na medida em que nos abrimos para as angústias e alegrias das outras pessoas.

É claro que, na vida concreta, há momentos em que precisamos e devemos buscar esse “Deus em nós” na solidão e no silêncio. Mesmo nesses momentos, há uma diferença entre ir “para dentro de si” de modo solitário, sem carregar consigo os sofrimentos e angústias de outras pessoas, e a busca de “Deus em nós” no mais íntimo do nosso ser levando conosco “os rostos, olhos e sorrisos...” da nossa gente. São buscas e encontros diferentes!

Nesse sentido, o termo “nós” do “Deus em nós” não significa aqui o coletivo de indivíduos , cada um tendo seu Deus dentro de si, mas sim a relação comunitária entre sujeito-sujeito. Relação essa que se vive ao se fazer próximo do necessitado, e juntos na luta pela libertação sempre provisória e relativa, nos alegrarmos com o viver (a celebração do Deus da Vida). Assim, construindo uma sociedade mais humana e justa, sinal antecipatório do Reino de Deus, fazemos acontecer a presença do Deus em nós, o reinado de Deus que já está no meio de nós.

2010 | Jung Mo Sung


fonte: http://www.ibab.com.br/pastoral_20100411.html